O pequeno príncipe

Os médicos falaram que provavelmente esse é o meu penúltimo mês de vida e mesmo não querendo admitir isso, além da minha saúde, meu emocional também não está bem. E eu não sei o porque disso, pois estou do jeito que quero, sozinho com minhas coisas. Hoje de manhã, um padre veio conversar comigo, eu sempre pensei acreditar em Deus, mas nunca fui de rezar ou ir na igreja, então sua presença ali era estranha. Ele simplesmente estava sentado na minha frente, falando sem parar sobre tudo o que acredita e sobre o que eu deveria fazer ou acreditar.

Com todo o respeito, eu não preciso de ninguém me falando essas coisas, é tão difícil assim entender que eu já aceitei que vou terminar aqui sozinho e que todo dia me forço a acreditar que esse é o melhor?

Já cansei dos canais de esportes, então passo a maior parte do tempo escrevendo, até os médicos se surpreendem com o quanto que eu escrevo. Sempre fui focado na minha vida e não na dos outros, não sou do tipo de pessoa simpática e afetiva, deve ser por isso que ninguém vem me visitar. Desde que cheguei a este quarto, fiquei ciente de que ele poderia ser dividido com alguém, porém, eu sempre convenci os médicos de que eu não seria um bom colega de quarto para alguém doente.

No entanto, no final da tarde recebi a notícia de que um garoto com leucemia ficaria no meu quarto. Odiei a notícia, a energia que as crianças tem, me lembra a minha família. Só que ela nunca foi boa, pois meus pais sempre se preocuparam mais em me dar coisas caras do que algum tipo de afeto, nem lembro da última vez que ouvi um "te amo" ou ganhei um abraço deles.

Quando acordei no dia seguinte, ele já estava lá, dormindo com um livro entre as mãos. Como sou curioso, fui espiar e fiquei totalmente surpreso ao ver que era "O pequeno príncipe", pois era o meu livro favorito.

Ter que passar alguns dias com aquele menino ao meu lado, estava complicando o meu emocional mais ainda. Por que será que ele lembrava tanto a minha infância? Eu me enxergava nele, até no modo de falar com as pessoas e isso não é loucura de quem está perto da morte.

Com o passar do tempo, começamos a trocar algumas palavras e isso foi aumentando cada vez mais, eu não conseguia evitá-lo. Eu realmente me permitia voltar a ser criança, pois assistíamos desenhos e falávamos sobre livros infantis. As vezes, o silêncio dominava e era algo estranhamente confortável, isso é raro, porque sinto que poucas pessoas te permitem ficar em silêncio e deixam o clima bom mesmo assim. Acho que este será o mais perto que chegarei de um sentimento paterno, eu realmente me importava com a criança e agora só me restavam aproximadamente duas semanas.

Eu tive a oportunidade de conhecer os pais do garoto, são pessoas incríveis e parecem cuidar bem de todos os filhos. O curioso é que com eles eu conseguia ficar a vontade, queria que com meus pais fosse assim também. Enquanto conversávamos, contei a eles sobre a situação com o meu pai e minha mãe e então, me aconselharam a ligar para eles e pedir uma visita. Depois que foram embora, algo estranho aconteceu, o garoto me deu um abraço apertado antes de dormir, daqueles bem fortes, não disse uma palavra se quer e se virou para ir dormir em sua cama.

Fiquei até duas horas da manhã refletindo sobre a minha vida, me dei conta de que eu era um rapaz de 35 anos, sem esposa ou filhos, sem muitos amigos, com dinheiro e um vazio enorme na minha vida. Eu tinha câncer e meu tempo estava acabando. Então talvez, mas só talvez, eu devesse mesmo ligar para os meus pais e até para os meus irmãos e alguns amigos.

Fui dormir com uma sensação estranha, de repente, ouvi um barulho muito alto, algo estava apitando. Quando abri os olhos, vi muitos médicos ao redor da cama do garoto, eles usavam um desfibrilador e ficavam repetindo "mais uma descarga", "tente mais uma vez", mas nada parecia dar certo. Um medo enorme tomou conta de mim, eu não conseguia me mover. Olhei para um dos médicos e prestei atenção totalmente pasmo, enquanto ele falava: "Morto às 5 horas da manhã". Olhei o abdomen do menino e vi as marcas das tentativas de reanimação sem sucesso, e eu estava totalmente sem reação.

Deitei e depois de tanto tempo sem fazer isso, chorei. Chorei porque meu pequeno amigo estava morto, porque minha vida estava acabando e eu sentia que não tinha aproveitado a maior parte dela. O que eu vivi? Saídas e mais saídas, brigas por poucas coisas, egocentrismo sempre em alta, sempre com coisas materiais caras e pessoas interesseiras ao meu redor? Foi isso? O que eu conquistei?

Lembro-me que o garoto me deu um bilhete um certo dia, estava escrito "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", era uma frase do livro O pequeno príncipe e nunca fez tanto sentido como agora, mas infelizmente, tinha um sentido ruim.

Decidi então, ligar para minha família e amigos, para a minha surpresa, no dia seguinte eles apareceram, fiquei surpreso com aquelas dez pessoas indo me ver. Foi meio estranho no começo, mas até que gostei bastante. Meu irmão levou hambúrguer, o que me deixou feliz, meus pais estavam tristes pela minha doença em estágio avançado mas felizes por me ver, meus amigos levaram jogos e passamos praticamente o dia inteiro juntos. A noite chegou e eles foram embora, depois de assistirmos um filme, que ironicamente para mim, tinha o nome de "A procura da felicidade". O universo conspirava contra o meu isolamento, isso era fato.

Depois de dois dias, em uma manhã, eu só consegui abri os olhos, meu corpo estava fraco e eu estava incapaz de fazer qualquer coisa. Pedi ao médico que ligasse para minha mãe, quando ela chegou, pedi que deitasse ao meu lado e assim foi meu fim, morri no final da tarde com a minha mãe ao meu lado. E eu realmente me arrependo muito de algumas coisas, de outras nem tanto, conhecer o garoto mudou minha vida, mas pena que não tive tempo de aproveitar essa mudança.

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